O Liber João São João é uma reprodução de um diário mágico de Aleister Crowley durante um retiro em Paris. Parece-me um resumo de hábitos diários de uma pessoa que obviamente sabe o que procura e tem certeza de que vai conseguir. Crowley aparenta saber que seus relatos detalhados serão importantes no futuro, para possíveis seguidores atrapalhados.
Cada capítulo conta um dia de retiro detalhadamente. Desde sentidos físicos, interações com outras pessoas, alimentação, o que ajudou e o que atrapalhou a conseguir seu intento. Mostra as dificuldades até mesmo em coisas que deveriam ser mais simples para ele por estar em um ‘nível’ mais elevado, como Pranayamas e Ásanas, e ocasionalmente, até mesmo dificuldades de concentração.
É uma ilustração bem perfeita do que Dion Fortune quer dizer quando se refere aos hábitos ocidentais em relação aos estudos ocultistas, pois Crowley busca vida social e cultiva os hábitos corriqueiros do dia-a-dia, por exemplo, ao escrever e enviar cartas, enquanto tenta obter sucesso em sua empreitada mística!
Identifiquei-me bastante com a maneira de escrever. O jeito de contar os acontecimentos. Sinto-me chateada de ter a toda hora que parar e correr atrás de significados de palavras, ou de termos 'técnicos' que para mim ainda não significam nada. Cansativo pra alguém que tem lutado de maneira relativamente intensa para prosseguir. Muitas coisas, que eu nem estou perto de conhecer ainda me escapam, assim que eu busco o significado, mas acho que não existe alternativa quanto a isso.
Uma coisa muito boa é que assim como eu, e como vários outros, o autor simplesmente se perde, perde a motivação, e também sua paciência com os exercícios!
Sinto minha humanidade mais em sintonia com essa busca, que deve mesmo ser complicada para todos que tentam, e não apenas para mim...
"Porém, eu vou tentar um pouco mais na posição do Enforcado, se bem que o sono está novamente me atacando. Eu estou cansado, no entanto contente, como se alguma grande coisa tivesse realmente acontecido."
Esse parágrafo abaixo me fez rir, e me lembrei de mim mesma que escrevo idiotices pra sites. Assim me sinto cada vez mais identificada com todo esse universo!
"Um dos assuntos que vieram à fala ontem à noite com o Dr. Rowland foi o de escrever tolices para revistas. Ele acha que nós podemos fazer isto nos intervalos de trabalhos sérios; mas eu não creio que se deva assumir o risco. Eu gastei estes muitos anos treinando minha mente para que pense de forma clara e se expresse com beleza. Devo então prostituir-me por um bocado de pão?"
De fato eu também tento ter a escrita verdadeiramente bela, e me pego às vezes a escrever com beleza demais para as mentes menos preparadas. Que sina!
Esse parágrafo abaixo me parece importante. Apesar de toda vez ter observado e evitado a alimentação imediata antes dos rituais, ocasionalmente eu perco a mão no horário, ou outras vezes eu passo demais da conta e quase desmaio de fome. Esse tipo de coisa deve ser observada, e anotada nos meus próximos relatórios. Quanto tempo antes eu comi?
"Observe, por favor, como nesta condição de alta tensão mágicka as coisas mais insignificantes tem uma grande influência. Normalmente, eu posso comer o que quer que seja, em qualquer quantidade, sem o mínimo efeito de qualquer tipo; testemunhar as minhas expedições e os meus deboches, nada me perturba."
Esse parágrafo me parece muito importante. Para mim pelo menos, que tenho esses problemas! É bom saber o que faço e busco, e os meios para conseguir! Presta atenção Andréa!
"Com a minha experiência dos efeitos do haxixe, eu poderia muito provavelmente ter terminado com o reino de Apophis ontem num momento, e a verdade disso teria sido 5 por cento droga e 95 por cento Magick; mas ninguém me acreditaria."
Nao seria de uma grande utilidade um dicionário de termos mágicos de todos os tipos? Eu necessito. MUITO! Me confundo a toda hora!
Gostei disso:
"Veja os Vegetarianos e os Anti-Viviseccionistas e a inteira corja de lunáticos. Eles pagam a si mesmos com a moeda da vanglória. Não vou perder meu tempo tendo pena deles!"
É recorrente que passo boa parte da vida pensando numa maneira de fazer com que a carne me seja desagradável, e talvez em alguns minutos isso seja para me vangloriar. ^^
Outro bom parágrafo:
"A única coisa a fazer, em suma, é persistir calma e firmemente, com um pouco de coragem e energia extras – não há mal nisso! – nas mesmas velhas linhas já encetadas. A Tortuosidade o Caminho deve necessariamente conduzir-me precisamente aonde o Caminho deve necessariamente conduzir-me precisamente aonde o Caminho vai dar."
Persistir é sempre o caminho. Uma boa lição.
Isso é muito importante:
"3:06 a.m. Eu desespero de fazer com que meus leitores distingam entre o vulgar fenômeno da divagação do pensamento e este fenômeno que está no limiar da verdadeira e perfeita concentração; e, no entanto é importantíssimo que a distinção seja assimilada. A Segunda dificuldade ocorrerá – espero eu! – de distinguir entre a vacuidade da idiotice e aquela destruição do pensamento que chamamos Shivadarshana, ou Nirvikalpasamadhi."
Ocasionalmente, durante meditações e tentativas de concentração começo a divagar, e ocasionalmente sinto que algum dos pensamentos na verdade eram alguma espécie de mensagem, mas que me escapou.
Essa parte é bem interessante, uma vez que eu sempre recito a 'Celine Dion' sobre esse mesmo assunto:
"Parece-me que os métodos do Oriente são muito áridos, e valiosos principalmente como treino da Vontade; enquanto que as Cerimônias da Magick de Luz preparam a alma àquela harmonia que está apenas a um passo da Coroa."
Uma observação bastante curiosa. Ao longo da leitura do Liber, fui cuidando da minha postura e da minha respiração, tentando, ainda que com todo o fator externo contribuírem para a falta de concentração, manter a mente em ordem e direcionada ao objetivo que é finalizar o mesmo, porém com entendimento!
Assim como eu, ele também sofre dos problemas físicos.
“2:05 p.m. De volta ao trabalho. Eu estou em péssimas condições físicas; bem equilibrado, mas exausto. Eu mal posso caminhar ereto!”
Ainda bem que não é só a mim que a falta de saúde física atrapalha. Agora, outro trecho também me preocupou.
“E o contrário, usar as forças espirituais para adquirir saúde física, como certas pessoas tentam fazer hoje em dia, é a mais vil Magick Negra. Esta é uma das numerosas razões para se supor que Jesus Cristo, se tivesse existido, seria um Irmão do Caminho da Esquerda.”
Eu gosto muito da idéia de buscar magicamente a saúde física. Esse trecho me faz refletir bastante sobre isso.
Ocasionalmente não me preocupo o suficiente pra me ‘preocupar’ com as práticas e o ritual todo antes dele acontecer, de forma a me lembrar de mil coisinhas alguns minutos antes do início, ou mesmo durante a prática. Tenho tentado escrever os rituais antes para que nada saia errado e eu não tenha que abandonar tudo pra correr e buscar algo que me esqueci de última hora. Esse trecho retrata isso bem:
“Em vez disso, eu achei que era um tão grande sujeito que pôr-me em Ásana por alguns minutos toda meia-noite e o resto vai-de-qualquer-jeito, seria suficiente. Eu estou bem punido.”
Talvez no fundo essa falta de preocupação seja apenas soberba, o que já é bastante coisa.
Identifico-me muito com diversas coisas que leio, e minhas dúvidas ficam menos solitárias assim! Diversas vezes achei que estava apenas repetindo coisas que não compreendia, ou que não me causavam efeito algum. Perdida no meio das práticas e de tantas palavras. Não sou a única.
“Eu quisera saber onde estou! Eu não reconheço de forma alguma o Caminho que estou percorrendo; não parece ser um Caminho absolutamente. Tanto quanto posso ver, eu estou boiando ao léu sem leme nem velas em um mar sem margens – o Falso Mar dos Qliphoth.”
Um dos pedaços que de fato mais me tocou e chamou a atenção, foi uma frase muito simples, mas que teve significado profundo para mim.
“Em casos de perda-de-vista em xadrez, eu costumava abandonar o jogo. Eu nunca tentei persistir até o fim; quisera agora tê-lo feito. De qualquer modo, eu tenho que persistir nisto até o fim!”
Muito significativo ante os últimos dias que tenho passado em confusão e dúvida pensando em abandonar tudo. A frase também foi uma recompensa, pois decidi continuar, mas desta vez não como se estivesse à deriva, mas sim com consciência de que sigo um caminho escolhido com propósito e significado importantes pra mim, e que só tenho que temer é não honrar minhas escolhas com o esforço necessário para alcançar o objetivo final.
“Eu sofro com sede... é uma sede do corpo... no entanto, a sede da alma é mais profunda, e impossível de satisfazer.”
Li este pedaço e me recordei dos tremores que me acometem ocasionalmente. Seriam os mesmos? Do mesmo tipo, quero dizer.
“Acordando-me há pouco, e instantaneamente concentrando-me em Adonai, eu senti meu corpo tomado de um leve estremecimento, muito curioso e agradável, como trêmulas folhas num contínuo ar.”
Interessante essa visão de que o Divino não se compraz com as barganhas humanas, que vejo todos fazerem:
“Misturar os planos é o triste fado de muitos místicos. Quantos eu tenho conhecido que me confiaram que, obedientes à Visão Celeste, não mais caçarão coelhos! Assim eles estabelecem um sistema baseados em insignificâncias, e o seu Senhor e Deus é algum traquinas elementalzinho fingindo ser o Todo Poderoso.”
É muito comum a ‘promessa’ ou o ‘propósito’. Conversando com um amigo evangélico ele me disse que o propósito na verdade é uma maneira de testar a vontade humana, e eu de fato entendi. Eu mesma deveria dar mais ouvidos ao mestre e me testar para me conhecer melhor. O objetivo disso de fato, sendo o autoconhecimento é notável, mas não é assim de verdade que as coisas acontecem. Ao contrário. Geralmente os homens fazem tais trocas na esperança de agradar a Deus ou conseguir uma prenda em troca. Muito divertido, mas eu considero pouco eficaz. Ao contrário já teria trocado um rim por um pouco que fosse de paz de espírito.
Mais uma frase bastante interessante, que sem dúvida tem refletido a realidade desse meu caminho cheio de curvas e reviravoltas, e pedras gigantes.
“Não sei eu que todo erro é um passo necessário no Caminho? O desvio mais longo é o mais curto atalho à meta.”
Mais uma vez digo a mim mesma que jamais, jamais devo me desesperar ou achar que percorro sozinha qualquer caminho escolhido, pois em cada tropeço se esconde uma lição para me ensinar a chegar ao fim da jornada. Ainda que o fim seja quase impossível. Talvez seja preciso tentar, tentar e morrer tentando.
Mais uma frase logo abaixo dessa me chamou a atenção, pois sempre me pergunto o porquê de certas coisas acontecerem quando me parece que tudo está indo tão bem. Todos os obstáculos possíveis pulam à minha frente! O que fluía calmamente vira um caos de dificuldades sem fim, e me faz querer dar as costas para o caminho.
“Pois aquele pensamento-Guardião-do-Umbral não estava tão morto quanto eu pensara; enquanto ele volta, e volta novamente, urgindo-me a desistir do Caminho, a abandonar a luta desigual. Felizmente, amigo Guardião, tu provas demais! Tua ansiedade me demonstra que eu não estou tão longe da consecução quanto os meus próprios sentimentos me fariam pensar.”
Ao ler o Liber percebo o quanto ainda me falta de informação, e como estou mesmo apenas no início de tudo! E doloroso pensar assim, mas sim, eu entendo que pra tudo o que apresenta pela frente é preciso preparação. Eu não poderia estar em outro ponto do caminho além daquele onde estou, porque simplesmente não o percorri! Se quiser chegar mais longe, então devo continuar a trilhar. Nada mais do que isso. Com paciência e alegria. Trilhar o caminho e a experiência e conhecimentos virão. É assim que as coisas são. Acho que essa ‘névoa’ é criada apenas por mim, seja por medo, ou por inexperiência.
“A resposta vem diretamente do próprio Tahuti: Porque tu aprendeste a escrever perfeitamente, mas ainda não te ensinaste a sofrer.”
Dois lindos trechos. Muito explicativos. Me fez pensar bastante no caminho e nos ordálios. Todos os desafios, problemas e obstáculos apenas para se percorrer o caminho da busca.
“E as pessoas podem facilmente compreender que tremenda é a tarefa do postulante, pois que ele tem que glorificar e iniciar todos os seus princípios, e treiná-los às suas tarefas novas e superiores. Isto seguramente explica melhor os terríveis perigos do caminho...”
“Alcoolismo, insanidade, doença, mania, morte, roubo, prisão – todo inferno terrestre, reflexo de algum erro espiritual, havia lhe tomado os companheiros. Às dúzias fora aquele bando arrebatado e varrido, despedaçado sobre um rochedo ou outro. Ele, quase só sobre aquela raivosa torrente, ainda persistia, sua vida a cada instante o brinquedo de forças gigantescas, tão enormes que eram (quando desencadeadas) completamente fora de proporção a toda coragem, destreza ou argúcia humanas – e ele persistiu em seu curso, humildemente; não desesperadamente; não com medo; mas com uma duradoura certeza de que ele resistiria até o fim.”
Senti-me invejosa, realmente com este trecho, pois tenho aquela dificuldade incrível com os círculos azuis, e em fazer minha imaginação “acontecer”. Eu sei, eu sei. É preciso toda a paciência do mundo! Muito frustrante ocasionalmente. E triste, claro, para quem até se cansa de tentar, sem perceber o sucesso.
“Acrescente que a luz “ultravioleta” ou “astral” no quarto era tão forte que era brilhante como luz do dia.”
Esse trecho me chocou imensamente. A pergunta que eu mesma me faço muitas e muitas vezes devido à grande frustração que muitas vezes me ocorre. Uma parte devido a minha própria incapacidade de seguir os ensinamentos e as práticas. Ser apenas humana nessas horas é bastante duro. Ser uma iniciante é sempre duro.
“Maravilhosos e múltiplos que são os resultados dele, ele os rejeitou e os considera como refugo... Isto está certo, John St. John! No entanto, como é que há chance para o grande demônio corcunda de cochichar em tua orelha a dúvida: Será que existe em verdade algum caminho místico? Não será tudo desapontamento e ilusão?”
Lindo trecho:
“Adonai é aquele pensamento que infunde, fortifica e purifica; suprema sanidade e supremo gênio. Qualquer coisa que não seja isto não é Adonai.”
Mais uma coisa bem séria em que se pensar.
“É realmente extraordinário como o mínimo sucesso acorda uma horda monstruosa de demônios egoístas, pavões vaidosos e cheios de pose, enfeitando-se e exibindo-se e gritando!”
A cada sucesso, minha mente se desvia, e o sucesso se torna um fardo! Parece que a cada passo a frente ganho inimigos. O maior de todos, claro, eu mesma.
O final é lindo e perfeito. A recompensa pela não desistência. Pela tentativa desenfreada de contato com o Divino. Muito bom.
“Então, sutilmente, facilmente, simplesmente, imperceptivelmente deslizando, eu passei ao nada. E eu fui envolto no brilho negro de meu Senhor, que interpenetrou em toda e cada parte, fundindo sua luz com minha escuridão, e deixando ali não escuridão, mas pura luz.”
“Como a Magick é simples, uma vez o caminho encontrado!”
“1:27 p.m. Minha alma está cantando... minha alma está cantando!”
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